




Estou indo ao trabalho. E quando digo isso, é porque estou, como de costume, num metrô, lendo um livro, tranquilamente, meia hora ou mais, antes de chegar ao meu destino, meu trabalho.
E quando digo "de costume" é porque, de fato, associar livros metrô e ir ao trabalho já é uma constante de longa data em minha vida.
Isso me remota aos tempos, não tão longínquos, em que pegar o trem significava ter a experiência de se sentir enlatado como uma sardinha.
Bem, mais uma vez repito, estou no metro, leio um livro que talvez não tenha sido publicado no Brasil. Chama-se: El pais donde nadie muere!, de Ornela Vorpsi*. Já é o segundo livro que eu leio em castelhano ( O primeiro foi La Momia, de Anne Rice), um pouco menor, embora mais difícil que o primeiro. Leio para aprimorar o idioma. Passo 8 a 10 horas por dia falando com espanhóis, e, ao contrario do que se pode esperar, não é tão fácil quanto parece, comparado ao português.... Voltando: O metrô de Barcelona ou simplesmente el metro, é totalmente diferente do metro Porto alegrense ou do metrô de São Paulo por vários motivos. Primeiro, por ser subterrâneo, segundo, por ter várias linhas intercaladas e entrecruzadas, divididas por números e cores de forma a percorrer por toda, ou quase toda, a cidade de BCN, terceiro, por ter as estações muito mais próximas e por aí afora.
Mas um outro ponto, que diferencia tudo isso, é que, sendo BCN, uma cidade turística, há uma miscigenação de raças e povos distintos e uma grande quantidade de culturas interligada.
Em todas, meu amigo, a música, de uma forma ou de outra, faz parte.
Então temos essa breve explicação e um quadro:
Rafael Miguelez, num metro de la linea roja ou linea 1, livro de Ornela Vorpsi, sobre sua infância, em uma Albania comunista da década de 60, tentando se concentrar no idioma castelhano que segue extremamente difícil, quando, duas estações depois, pela porta que está a sua frente, entra um argentino. O outro sul-americano, trajando uma camisa da seleção argentina, adentrou o recinto com um Oboé numa mão, e, na outra, conduzindo um carrinho, uma pequena caixa amplificada e um outro mini equipamento que simulava bateria eletrônica e contrabaixo.
Leio sobre as percepções da autora, sobre como ela e suas amigas se sentiam sobre sua feminilidade reprimida e a morte do marido de uma professora quando sou atacado pela mistura de música eletrônica e o som do Oboé que o argentino tocava.
"O cara tah fazendo a dele!", penso comigo, achando engraçada a cena.
Continuo em minha leitura, com dificuldade. Mas benevolente, me esforço, sem reclamar.
A primeira música acaba e outra começa.... As pessoas no trem reagem atônitas, e o copo de moedas do argentino segue vazio. De pois de alguns acordes, começo a cair na gargalhada ao reconhecer a música. Pelo visto, o nome original, interprete e compositor me são ignorados**, mas a música, a todos meus amigos e compatriotas, lhes é familiar, aposto. Não deixo de cantarolar em minha cabeça a melodia "E o Silvio santos lah, lah, lah, lah, lah, lah, lah...." A abertura do finado show de calouros....
Parem agora e imaginem a cena, lhes peço: Um argentino, um oboé e a música do Show de calouros com batida eletrônica! Parece piada, mas - Juro! - realmente aconteceu!
Chega! penso comigo, e me esforço para me concentrar mais uma vez na leitura. A história segue, agora com mais facilidade. O Argentino segue, desce na próxima estação.
O silencio impera, as pessoas seguem atônitas.
Então surge o improvável!
Uma estação depois ( não mais que cinco minutos ), levanto os olhos da minha leitura, já sem um traço de benevolência no rosto e procuro de onde vem a música.
Dois caras, que não sei de que puta nacionalidade eram, com uma gaita cada um e uma caixa amplificada, num carrinho, a exemplo do argentino, tocando de forma estridente a MESMA música que o argentino recém havia tocado!!!
Fecho o livro, sem a menor possibilidade de concentração!
Maldito Show de Calouros, penso!