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sábado, 8 de dezembro de 2007

Dupla Personlidade


Desculpe a sinceridade, mas eu te odeio. Isso é pessoal meu, não me culpe. Falando assim, parece que eu tirei isso de algum lugar, e que isso não é próprio a mim, mas acredite, é verdade e inconsciente. E intrínseco.
Eu te odeio.
Talvez pelas coisas pequenas ou pelas coisas maiores, também. Sou depressivo por natureza, mais de uma vez me vi sendo levado pela corrente de minhas próprias angustias sem ter onde me agarrar. Às vezes, sequer me levantei de imediato... Raiva senti. Frustração por um simples parafuso que soltou todo o maquinário do relógio – para ser figurativo.
E meu ódio não se restringe só a você. Eu odeio, sobretudo o seu sucesso – E isso é o mais difícil de entender, eu não faço isso de forma invejosa. Eu odeio as músicas que você escreve, eu odeio os livros que você publica, as idéias boas que você tem, e até a forma precisa do seu pensamento lógico, porquê você faz tudo em meu campo de visão.
Tão perto e tão longe.
Sobretudo, essa proximidade distante é o que mais me irrita, por que o simples fato de ter essa vista, me torna parte deste mundo ao qual eu não pertenço.
Odeio a confusão que torna tudo isso possível, e impossível... Apesar de isso estar um nível a cima, e não me impedir de não deixar de amar minha própria vida. Odeio a semelhança das sentenças que escolho para me expressar...
E odeio, portanto as verdades que sei, e as seguranças que tenho.
Desculpe a veracidade das tolices que disse... Não é pessoal... Você nem tem um nome, nem eu.... E aí surgem nossas semelhanças. Você é muitos e eu sou muitos! Bem, para dizer a verdade pode ser até o inverso. As variáveis seguem correntes. Possíveis sob qualquer aspecto. Você é real, eu sou real. Todos esticados ao desgaste.
Paro pra pensar: Eu te odeio porque você me devolve algo meu, como uma serpente que engole o próprio rabo.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Vertigem



Ela se balançava para frente e para trás, vertiginosamente. Ocorreu-me a sensação que tive ao andar pela primeira vez – e última – no “Barco Viking”, mas afasto o pensamento, achando curiosa, nada mais, a forma que ela me chamou a atenção.
Estou voltando do trabalho, cinco da tarde, cruzando o Passeig de Gracia, poucos metros depois da Casa Batlô, e a encontro inusitadamente, balançando para frente e para trás como uma criança.
Os olhos, num gesto inevitável e surpreso se voltaram à pessoa que a segurava, uma senhora, de meia estatura, loira e de pele clara, que julguei ser dos países do leste. Ela, a senhora, seguia o seu trajeto, no mesmo sentido que eu, tranqüila e inabalável. De um lado uma sacola abarrotada de compras de uma loja qualquer, do outro, tendo a outra mão como um playground, ELA.
Para frente e para trás.
Uma cena impossível de se presenciar em campo aberto, nas guerras do mundo.
É difícil não pensar no país onde nasci, e tentar não fazer comparação das diferentes reações de um lugar a outro. E me nego a entrar em detalhes sobre o que eu pensei.
Volto a pensar no ângulo do “Barco Viking”.
O medo. A vertigem. A segurança que se oculta entre o balançar, entre o direito de ir e vir que o barco exerce. Penso nisso, e tudo fica claro.
A senhora polaca segue tranqüila, com suas compras de um lado, e Ela do outro.
Ela é uma simples maquina fotográfica digital, que, senão de última, de uma geração bem adiantada, era segurada por uma simples alça de tecido, a balançar e sumir na multidão com sua dona.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Ying e Yang, Luz e Escuridão...




“Eu entro. Usando apenas o som dos meus passos como lanterna!”
Triste, ainda que poeticamente esperançoso, escrevendo essas linhas, início esse capítulo pelo final – ou meio.
Volto do trabalho mais cedo naquela segunda. Ainda é dia... E um dia não muito quente e ensolarado. Caminho pelas ruas estreitas até el metro. Atravesso uma praça, antes, com um enorme espelho d’água, cruzo, por uma passarela, uma linha ferroviária, uma enorme e linda catedral modernista... Caminho por uma rua de asfalto romano e chego a estação. Decido ir a la rambla (FOTO), olho umas lojas de instrumentos musicais, as pessoas, e ao cabo disso tudo, volto para casa.
Ainda é dia.
Curiosamente, a luz do sol toca o solo espanhol às seis de la manhana e se despede as diez de la noche.
– Estamos sem luz! – ouço de irmão, ainda com a chave do apartamento na porta.
Mas é cedo... segundo ele e Eliza – uma italiana que vivia no outro quarto – os tecnicos haviam dito que, antes de anoitecer, o serviço elétrico estaria restabelecido em nossa região. Ótimo, largo minha pasta sobre a cama, termino de ler as últimas paginas de La Momia e caio num cochilo rápido. Um momento depois, Rodrigo, meu irmão, me acorda.
– Vem, vamo no mercado!
Desçemos a lomba que é nossa rua, e um pouco depois, estavamos em frente ao Dia, o mercado mais barato da regiao. Uma placa nos surpreende:
“Fechado, por falta de energia eletrica!”
A mudança de rumo nos levou a outro Dia, em Joanic, em frente ao Passeig Saint Joan – onde, entre outros, figura um pequeno monumento com estátuas de Chapéuzinho Vermelho e o Lobo Mau.
Ao terminarmos as compras (incluidas duas Xibecas de litro a 1 euro cada – foto –, morram de inveja) já havia quase anoitecido. Em casa, percebemos estarrecidos que os técnicos estavam enganados. Estávamos sem luz elétrica e quase sem luz solar.
Um pouco aborrecido, vou até uma praça onde espanhóis pensam jogar futebol, e alí fico até a escuridao cobrir tudo o que os olhos alcaçavam. Volto para o apartamento, pensando no disperdício que é tomar cerveja quente...
"Entro, usando apenas o som dos meus passos como lanterna!"
Mentira... uso também o celular. Juan, o frances que mora conosco se despede cedo. A não ser pelo conversa, em castelhano, entre meu irmao e Eliza na habitaçao da italiana, o resto repousa no mais profundo silêncio. Chego à nossa habitaçao. De frente para o prédio existem dois outros prédios... A luz do dia, os vejo da minha janela. Agora só posso divisar as luzes das velas em alguns apartamentos, diversas como numa árvore de natal.
Deito em minha cama, posso ver um largo canto do céu. Escuro. Penso nos dias difíceis do começo... sinto a solidao me olhando do escuro mais profuso do quarto... penso nos amigos, na família... adormeço.
Num segundo depois acordo com um estridente panelaço.
Revoltados com a situaçao de não ter luz, aparentemente nova para o povo daqui, e prevendo que a noite se resultaria nisso, as pessoas da “vizinhança” sairam às suas varandas e começaram, literalmente, a bater panela...E o panelaço se foi longe, entre gritos de “Revolution!” do Rodrigo e buzinaços dos carros que passavam...
- É um forma de protesto - explica meu irmao - começou em Buenos Aires, na guerra do Iraque!
Acompanhavamos tudo, tomando cerveja, na habitaçao de Eliza. A duração disso foi pouco mais do que uma hora...Vencidos pela escuriadao, os espanhóis vizinhos rendiam seus panelaços ao silencio, aos poucos. Até nao sobrar som algum...Era a cena mais deprimente, desde a minha chegada a espanha. No escuro, bebendo cerveja quente e jogando no celular, enquanto meu irmão seguia trovando uma italiana que media duas vezes o tamanho dele na largura. Triste mesmo, foi na hora de ir ao banheiro. É a maior humilhaçao do ser humano, penso comigo... A bateria do celular se entrega de vez.
Entao Rodrigo pergunta a Eliza se ela tem preferencia por algum seriado.... (Chegamos ao ápice - alguns podem naum perceber. Bem aqui, agora, atravessamos o Ying e o Yang, a mudança.... É quando as coisas começam a caminhar para a escuridão eterna.) Segue:
...Ao que ela responde que gosta de Sex on the City e O.C.
Acabo no banheiro, mas antes escuto o comentario em castelhano: “Nah... Eu não consigo entender Sex on the City – Rodrigo diz – parece os filmes do Woody Allen do início dos anos oitenta... E O.C., pelo que parece, está acabando, hein!!! Andei vendo na internet que a Marissa morre no final da terceira temporada..."
Será que eu entendi bem?!
Alguém percebeu o elo perturbador da mudança?
Certo, O.C. pode não ser uma série fantástica.... Mas a dita cuja, falecida é uma das mocinhas da série, criada e desenvolvida para terminar o sériado com o mocinho, estou enganado?...
A realidade me acerta como um choque.
O que, pelo amor de deus, perpetua, se o que era pra ser definitivo passa?O que, entre luz e sombra, é real e o que nao é?A escurido da noite se vai... o dia chega... a luz eletrica volta no final da tarde.
Tudo, ao que parece volta ao normal... Será... Daqueles planos que a minha vontade projeta no horizonte do outro dia, quais expectativas serão concretizadas, quais serão abraçadas pelo esquecimento?
De volta a minha cama, a solidão de seu acampamento negro conversa muito com as dúvidas que se chegam.
Durmo, levanto, durmo, levanto....
A escuridão de Barcelona nunca passa.
Chega a um ponto em que percebo: A decisao é minha, fico para trás ou continuo andando...
"Respiro fundo e entro na escuridão. Usando apenas o som dos meus passos como lanterna."

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Argentino, Oboé, música e "El metro"




Estou indo ao trabalho. E quando digo isso, é porque estou, como de costume, num metrô, lendo um livro, tranquilamente, meia hora ou mais, antes de chegar ao meu destino, meu trabalho.
E quando digo "de costume" é porque, de fato, associar livros metrô e ir ao trabalho já é uma constante de longa data em minha vida.
Isso me remota aos tempos, não tão longínquos, em que pegar o trem significava ter a experiência de se sentir enlatado como uma sardinha.
Bem, mais uma vez repito, estou no metro, leio um livro que talvez não tenha sido publicado no Brasil.
Chama-se: El pais donde nadie muere!, de Ornela Vorpsi*. Já é o segundo livro que eu leio em castelhano ( O primeiro foi La Momia, de Anne Rice), um pouco menor, embora mais difícil que o primeiro. Leio para aprimorar o idioma. Passo 8 a 10 horas por dia falando com espanhóis, e, ao contrario do que se pode esperar, não é tão fácil quanto parece, comparado ao português.... Voltando: O metrô de Barcelona ou simplesmente el metro, é totalmente diferente do metro Porto alegrense ou do metrô de São Paulo por vários motivos. Primeiro, por ser subterrâneo, segundo, por ter várias linhas intercaladas e entrecruzadas, divididas por números e cores de forma a percorrer por toda, ou quase toda, a cidade de BCN, terceiro, por ter as estações muito mais próximas e por aí afora.

Mas um outro ponto, que diferencia tudo isso, é que, sendo BCN, uma cidade turística, há uma miscigenação de raças e povos distintos e uma grande quantidade de culturas interligada.

Em todas, meu amigo, a música, de uma forma ou de outra, faz parte.

Então temos essa breve explicação e um quadro:

Rafael Miguelez, num metro de la linea roja ou linea 1, livro de Ornela Vorpsi, sobre sua infância, em uma Albania comunista da década de 60, tentando se concentrar no idioma castelhano que segue extremamente difícil, quando, duas estações depois, pela porta que está a sua frente, entra um argentino. O outro sul-americano, trajando uma camisa da seleção argentina, adentrou o recinto com um Oboé numa mão, e, na outra, conduzindo um carrinho, uma pequena caixa amplificada e um outro mini equipamento que simulava bateria eletrônica e contrabaixo.

Leio sobre as percepções da autora, sobre como ela e suas amigas se sentiam sobre sua feminilidade reprimida e a morte do marido de uma professora quando sou atacado pela mistura de música eletrônica e o som do Oboé que o argentino tocava.

"O cara tah fazendo a dele!", penso comigo, achando engraçada a cena.

Continuo em minha leitura, com dificuldade. Mas benevolente, me esforço, sem reclamar.

A primeira música acaba e outra começa.... As pessoas no trem reagem atônitas, e o copo de moedas do argentino segue vazio. De pois de alguns acordes, começo a cair na gargalhada ao reconhecer a música. Pelo visto, o nome original, interprete e compositor me são ignorados**, mas a música, a todos meus amigos e compatriotas, lhes é familiar, aposto. Não deixo de cantarolar em minha cabeça a melodia "E o Silvio santos lah, lah, lah, lah, lah, lah, lah...." A abertura do finado show de calouros....

Parem agora e imaginem a cena, lhes peço: Um argentino, um oboé e a música do Show de calouros com batida eletrônica! Parece piada, mas - Juro! - realmente aconteceu!

Chega! penso comigo, e me esforço para me concentrar mais uma vez na leitura. A história segue, agora com mais facilidade. O Argentino segue, desce na próxima estação.

O silencio impera, as pessoas seguem atônitas.

Então surge o improvável!

Uma estação depois ( não mais que cinco minutos ), levanto os olhos da minha leitura, já sem um traço de benevolência no rosto e procuro de onde vem a música.

Dois caras, que não sei de que puta nacionalidade eram, com uma gaita cada um e uma caixa amplificada, num carrinho, a exemplo do argentino, tocando de forma estridente a MESMA música que o argentino recém havia tocado!!!

Fecho o livro, sem a menor possibilidade de concentração!

Maldito Show de Calouros, penso!

*O Pais onde não se morre, foi lançado em Portugal, pela editora teorema. Fonte: google.
** A musica verdadeira era Those Were the Days, da cantora britânica Mary Hopkin. Fonte: wikipedia.

Fora de Cronologia......

Começo essa aventura na europa muito longe do início temporal das idéias e forças do destino que me puseram num aviao de volta à terra de meu pai... Em verdade, muito pouco importa tudo isso agora, e começo a escrever como um diário aberto, que compartilho com amigos e desconhecidos, procurando um ponto comum de vista sobre o que de fato possa ser Barcelona...
O que se segue, é uma quantidade, nao determinada de histórias que se passaram nesses dois meses que me encontro aqui, longe dos amigos, longe da família que me acolheu nos últimos 7 anos, longe da minha esposa e do meu filho... Mas nao uma aventura solitária, ja que formaremos enao uma parceria de locutor e ouvinte, escritor (quem dera) e leitor, nao é mesmo?!
O proposto, entao, é escrever o que me vem a cabeça, sobre lembranças de fatos ocorridos, como uma pintura de determinado dia ou hora, ou minuto, sem pretensao de continuidade, sem pretençao cronológica portanto.
Que seja agradável, por supuesto...