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quarta-feira, 21 de maio de 2008

Feitiço do Tempo

“É o mito da sobrevivência do ser humano sobre aquilo que ele pensa e faz de si mesmo, da vida que leva, e da atmosfera que cria ao seu redor, daquilo que aparenta e do que realmente é, os efeitos do que acredita e do que não sabe, para a prosperidade daquilo que vê e faz.”

Corchetes: “É o mito da sobrevivência do ser humano sobre aquilo que ele pensa e faz de si mesmo, da vida que leva, e da atmosfera que cria ao seu redor, daquilo que aparenta e do que realmente é, os efeitos do que acredita e do que não sabe, para a prosperidade daquilo que vê e faz.”É o mito da rotina, do dia-a-dia –– mas, ao mesmo tempo, funciona como um espelho; um olhar atento ao ser humano no que ele tem de mais comum e sensível.

Na armadilha do tempo, preparada para Phil Connors, encontrava-se do que uma simples ironia do destino, ou uma comédia feita para um público com o intuito de ganhar dinheiro; Há na verdade uma reflexão profunda e atual sobre os males do nosso próprio pensamento em relação à nossa tristeza e solidão, em busca de um sentido para nossa existência singular.

Se você parasse por um dia, e se todos os outros, dali em diante, fossem apenas uma reprise deste mesmo dia (E se você tivesse um passado para olhar para trás ou um futuro que quisesse construir, baseado em seus sonhos e esperanças, mas estivesse preso à rotina de um dia comum), o que você faria?

Como reagir?

Quem culpar?

Que tipo de emoções te atacaria primeiro?

Peguemos de exemplo uma rotina qualquer –– Nem vamos nos ater a pequenos detalhes:

O relógio desperta. Seis horas da manhã. Ao levantar-se você não se dá conta, mas foi dada a largada à uma corrida, onde cada minuto é precioso, e você tem uma quantidade simples de objetivos que preenchem a sua manhã até a hora do almoço (levantar-se e arrumar-se em tantos minutos, para no horário X estar na parada sem se atrasar para o ônibus superlotado que passa na hora Y, pois à hora Z você tem que estar no trabalho, onde se inicia outra série de simples objetivos até o meio-dia). Assim segue-se igual, do almoço até o final da tarde, e do cair da noite até a hora de dormir. Então você adormece e... Seis Horas, hora de despertar.

E assim, como em um desenho da Disney, a ciranda se completa, e tudo começa, exatamente igual, no outro dia.

Porém, aqui descrita, encontra-se apenas a rotina nua e crua, sem tempero algum. Colocamos ingredientes naturais como: Ação do tempo, o acaso, e várias rotinas diversas que se cruzam em cada milésimo de segundo –– pais levando de carro os filhos para a escola, interagindo com diversos motoristas no transito, seguindo às suas empresas, voltando para sua casa, cruzando a cidade em sentido contrário na hora do pique... Idosos enfrentando filas no sistema público de saúde, fazendo parte, em um mínimo período ao espaço de tempo em que um jovem vai a banca comprar ser jornal matinal, camelôs, policiais, dentistas, arquitetos, advogados... Tantas situações que não caberiam nesta folha de papel.

Pronto, temos uma sociedade: Essas rotinas se permeiam e se interagem de uma forma minuciosa e sutil, criando suas redes secretas e seus laços primários...

Mas, e se a correria habitual do dia-a-dia não permite a você ver isso?

Você acorda, cumpre seus simples objetivos e dorme, para começar tudo de novo na manhã seguinte.

Qual o sentido de isso tudo?

Qual a razão lógica?

Este é o ponto crucial, o tendão de Aquiles. É esse o questionamento mais marcante do filme, e o ponto de vista mais claro do roteirista: O que você faz entre o nascer e o morrer de um mesmo dia! O que faz de diferente e melhor a cada dia para que ele não se perca nesta simples rotina de acordar e dormir!

É o mito da sobrevivência do ser humano sobre aquilo que ele pensa e faz de si mesmo, da vida que leva, e da atmosfera que cria ao seu redor, daquilo que aparenta e do que realmente é, os efeitos do que acredita e do que não sabe, para a prosperidade daquilo que vê e faz.

Em outras palavras, falamos de um dia melhor hoje.

Com certeza, tendo como parâmetro uma cidade como a população de BCN (a efeito de exemplo, claro), se o tempo tivesse realmente estacionado em um único dia, e alguém fosse escolhido para vivê-lo por dias indeterminados, haveria tanta coisa a ser feita, tantas ações em andamento ao mesmo tempo, e tantas lições a serem tiradas, que, seguramente, nenhum dia seria igual ao outro.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

E Você?




A cabeça clareia, e a idéia que me vem é nítida: Fugimos!

O descampado sossego por nós desenhado soa como um plano perfeito, escrito de ponto de vista unilateral (um monólogo, ausente de platéia).

Os versos recitados soam como uma aversão incrédula à realidade prejulgada pelo ator, sussurrados sem credibilidade alguma pela boca que se move quase em silêncio.

Fugimos! É a idéia clara no contexto.

Fugimos...

É surpreendente fácil confundir isto com uma troca de estilo. Passar da prosa à poesia, em suas mais diversas formas. Começar com um soneto e terminar sem rima, e chamar (por que não?) de liberdade artística.

Enganamo-nos! Nossa vaidade nos passou para trás... Cada letra tem sua fonética transparente em uma só palavra: Fugimos!!!

Chame como quiser”, tento argumentar com austeridade,”Mas lidamos com algo incompreendido! E a isso nada mais posso chamar, senão: maturidade artística. O som, eu sei, sai da minha garganta, porém se transforma ao chocar-se em meus dentes. Afora isso, ao ganhar ar livre, já é outro... Não o reconheço... Não tenho o menor controle sobre ele...

Fugimos... Meu próprio engano não me ilude!

Nos primeiros quinze segundos de espetáculo, persiste a empolgação do começo. Alheio a isso o erro insiste em fazer sua trajetória rigorosa. O ator, ainda inexperiente quanto à platéia desta noite, demonstra sua falta de habilidade, e deixa escapar o momento de uma possível reação. Vira clichê enfim, e o relógio, amargurado com isso não pára.

As horas vão passando, cada ator com seu momento....

As cortinas vão fechando...

Fugimos...



PS:O texto acima foi inspirado numa reportagem sobre a crise em Madrid, que relatava, entre outras coisas, o desespero dos comerciantes em vender a preço de ninharia, os produtos e comidas pereciveis. O kilo da batata, segundo a reportagem, chegava a um absurdo de 0,10 centimos de euro. Formavam-se enormes filas para compra de tais produtos. Por isso, essa ideia de desperdicio de tempo, e de como empregamos o pouco - tempo - que temos, nos acomodando em nossas proprias atuações...